Em pleno século XIX, um homem de bigode avolumado declarou que “sem música, a vida seria um erro”. A célebre afirmação de Friedrich Nietzsche teve seu sentido potencializado, em Cuiabá, pela paixão de um músico por seu instrumento. “A vida, para mim, sem meu saxofone, seria a morte”, reflete João Batista de Jesus da Silva, o popular Bolinha.

E ainda que não tenha tido contato com a obra do filósofo alemão, Bolinha é de fato humano, demasiadamente humano, a ponto de compreender, como poucos, a falta de sentido numa vida ausente de notas, acordes e harmonias. Não por acaso, é capaz de vir às lágrimas, como relata o amigo Júlio Coutinho, ao ouvir uma frase musical que lhe toque o sensível espírito.

E isto não é de hoje. Desde os sete anos, quando ia levar almoço e janta ao pai, o lendário mestre Albertino, o pequeno Bolinha já se emocionava ao ouvir a banda do exército. No entanto, se engana quem pensa que apenas a evidente aptidão à música lhe garantiria uma carreira consolidada. Além do dom que lhe é inato, precisou de muita dedicação, disciplina, horas a fio de estudo e muito suor derramado.

Para se ter uma ideia, quando começou a estudar e praticar percussão ainda era criança. Só então, a partir dos 15 anos, após o domínio da técnica percussiva, foi que se enveredou na lógica dos instrumentos de sopro, em especial, é claro, o saxofone. Sua principal influência foi o virtuoso mestre China (Ivonildo Gomes de Oliveira), responsável por lhe revelar os primeiros segredos do sax. E a admiração era tanta que Bolinha não se conteve diante do ídolo: “Eu aprendi tudo com papai, mas queria assoprar que nem você”, confessou a China num dos primeiros encontros entre eles. E como aprendeu! Foi com China que desenvolveu a nova embocadura e seus macetes para extrair a melhor performance possível de um sax tenor aveludado.

Carreira

Assim, após este período natural de maturação, Bolinha, finalmente, se tornou um músico de mão cheia, um dos maiores saxofonistas de Mato Grosso. Mas, como não poderia deixar de ser, a primeira banda da qual fez parte, a “Ás de Ouro”, pertencia ao próprio pai. E como era de praxe na época, todos se apresentavam impecáveis, trajando ternos ou smokings. Ao lado de mestre Albertino, tocaram em vários municípios do estado, principalmente em festas, como São João e do Senhor Divino Espírito Santo. A parceria durou 12 anos.

Em seguida, em meados da efervescente década de 60, um tal Jacildo resolveu reunir alguns rapazes para tocar rock’n’roll na, até então, provinciana capital mato-grossense. Por já ocupar uma posição de destaque no cenário local, Bolinha foi convidado a fazer parte do incipiente grupo que se tornaria um dos símbolos do rock autoral cuiabano, mas que também tocava covers, principalmente Beatles. Com “Jacildo e seus Rapazes”, ele gravou o icônico álbum “Lenha – Brasa e Bronca”.

Logo, tal qual mestre Albertino, liderou a própria banda, “Los Bambinos”, que animava bailes e festas na capital, além de acompanhar apresentações de artistas consagradas, como, por exemplo, o rei Roberto Carlos. Em sua carreira, Bolinha ainda substituiria o pai, assumindo a regência da banda da Escola Técnica até se aposentar, em 1997, quando foi substituído por seu irmão, José Albertino.

Neste meio tempo, no início da década de 90, o saxofonista participou da “Rua do Rasqueado”, projeto que tinha como objetivo resgatar músicas de bandas regionais que tocavam nas periferias da capital e na baixada cuiabana. Dentre os grupos que surgiram durante o movimento, se destacam “Ventrecha de Pacu”, “Banda Terra”, “Pixé” e “Viola de Cocho”.

Portanto, Bolinha, assim como Roberto Lucialdo, Pescuma, Guapo, Henrique e Claudinho, Moisés Martins, João Eloy, Gilmar Fonseca, Edmilson Maciel, Hamilton Lobo, João Manoel, Juca de Mestre, dentre tantos outros, atualmente são considerados alicerces desta retomada da música regional.

Inclusive, ao lado de Pescuma e Moisés Martins, no “Ventrecha de Pacu”, Bolinha gravou os álbuns “Sentimento Cuiabano”, volume I e II. Em seguida, uma trilogia de peso: “Bolinha e seu sax cuiabano”; “Tributo a mestre Albertino”; e “Bolinha recordando o passado”. Como sugere o título do segundo, trata-se de uma homenagem póstuma ao pai. Enquanto o terceiro é composto por boleros e choros que tocavam em bares da antiga Cuiabá.

Hoje, aos 77 anos, continua tocando o melodioso saxofone que, segundo ele, o revigora. E levando em conta sua jovialidade, disposição e bom humor, não é de se duvidar que a música tenha mesmo este poder.

Afinal de contas, se passamos este tempo ao qual chamamos vida tentando lhe dar algum sentido, Bolinha parece já tê-lo compreendido. Por isso, reflete com sinceridade que, sem seu sax, a vida seria morte. Suas palavras, além do pensamento nietzschiano, encontram ressonância na clássica “Enquanto Engomo a Calça”, do cearense Ednardo, que diz que “cantar parece com não morrer / é igual a não se esquecer / que a vida é que tem razão”.

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