Cuiabá cabia inteira nas lentes de seu fotógrafo, que registrava partos, batismos, crismas, casamentos, enterros, saraus, volta às aulas, comícios, carnaval, carreatas, reuniões políticas, lances esportivos, o vaivém dos aviões da Panair, o embarque e desembarque nas chalanas, o surgimento de novos e a demolição de velhos prédios. Ninguém jamais fotografou tanto a quase tricentenária cidade de Moreira Cabral quanto aquele armênio desengonçado, forte, de pronúncia enrolada. Ninguém também amou tanto a capital mato-grossense quanto ele ao longo de quase sete décadas de paixão que o fundia e confundia com a cidade que adotou e por ela foi adotado. Assim era Lázaro Papazian, ou simplesmente Cháu.
A união com Cuiabá foi o ponto final na sua vida aventureira. Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial Cháu vivia com a família em sua cidade natal, Erevan, a capital da Armênia, às margens do rio Hrazdan. A Europa estava em chamas e os Papazian rumaram pra Paris. Estimulado por amigos Cháu deu vazão à sua vontade. Pegou um navio para Buenos Aires, mas logo desistiu da Argentina. De lá foi para o Rio de Janeiro, onde as portas de Cuiabá lhe foram abertas.
Funcionário da empresa Lutz Ferrando, especializada em ótica, máquinas e equipamentos fotográficos, Cháu aproveitava suas folgas para colher flagrantes do Rio. Certa feita deparou-se com o médico e governador eleito de Mato Grosso, Mário Corrêa da Costa, que se entusiasmou por sua arte e o convidou para cobrir sua posse no governo, em 22 de janeiro de 1926. O espírito de aventura agitou o sangue em suas veias.
Cháu deixou sua marca registrada no trabalho encomendado pelo governador Mário Corrêa da Costa. A missão chegou ao fim com a entrega do material contratado, mas o fotógrafo estava perdidamente apaixonado pela cidade onde permaneceria para sempre.
Em 17 de abril de 1991, aos 84 anos, Cháu fechou os olhos definitivamente aposentando sua máquina americana Speed Graphic e suas lentes que registraram as transformações de Cuiabá ao longo de 65 anos, com flashes sempre precedidos da frase: “Atençon; olha passarinho”.
‘Papadhian’, no linguajar cuiabano é nome de difícil pronúncia. Daí, a irreverência popular lhe deu o apelido mais perfeito possível: Cháo. Isso, porque o bonachão fotógrafo dizia “ciau”, que significa adeus em italiano – expressão popularmente adotada mundo afora.
Polivalente, Cháu foi boxeador e árbitro de boxe. Dirigiu time de futebol. Abriu e manteve por longo tempo o “Studio-Cine Photo Cháu”, no cruzamento nobre da Avenida Getúlio Vargas com a Rua Barão de Melgaço, em Cuiabá. Teve cinema. Arrendou hotel. Montou representação comercial. Dirigiu jornal, foi correspondente em Mato Grosso de jornais e revistas do eixo Rio-São Paulo. Foi um pouco de muitas coisas, mas acima de tudo Cháu foi fotógrafo, e, de quebra, o primeiro repórter fotográfico de Mato Grosso.
Eduardo Gomes/boamidia
FOTO: Acervo de família