Sil Azevedo lança o livro “Filho de Prostituta”
Coletânea de poemas escritos secretamente, dos 15 aos 42 anos, busca tornar público a solidão, autonegação e sofrimento vividos pela premiada cineasta de Japeri, homossexual, negra e de origem humilde
Crescida na periferia de Japeri, no Estado do Rio de Janeiro, uma jovem, de família bem humilde, aos 15 anos de idade, perderia, de um dia para o outro, sua mãe e absolutamente tudo que tinha. Todos os seus pertences, sua casa, seu irmão, sua vida, tudo, como em um passe de mágica, se desmaterializou. A partir deste dia, nasceria o medo de admitir a solidão, o que a levou a se esconder de si e de todos, alimentando diariamente um silêncio que se perpetuou por 28 anos. A menina negra, que conseguiu acolhimento em nova família, se descobriu homossexual a partir de um amor da juventude e, frente ao preconceito e à homofobia tão viris e caras a nossa sociedade, fez da introspecção e do silêncio seus maiores conjugues, como também combustível para a criação literária. Assim nasceu “Filho de Prostituta”, coletânea de 28 poemas escritos pela autora e cineasta carioca Sil Azevedo, um texto por ano, que ganha, após esse longo período de autocamuflagem, o formato de livro.
Escritos em um pequeno caderno dos seus 15 aos 42 anos de vida, os poemas foram a maneira que a autora encontrou ao longo da vida de registrar fatos e sentimentos, pois faltava-lhe a coragem de compartilhar com qualquer outra pessoa. E mais: o receio de que seus escritos fossem descobertos a levou se utilizar de metáforas, escondendo-se ainda mais dentro do próprio esconderijo. Para contextualizar, em cada poema, a autora inseriu narrativas sobre os episódios, facilitando o entendimento do leitor e da obra como um todo. Já adulta e cineasta premiada, reencontrou a menina por quem foi apaixonada durante toda a vida – e que lhe ofereceu a chance de retornar para o mundo que havia perdido – o que marcou sua decisão de resgatar os escritos e torná-los públicos, encerrando de vez o hábito de se esconder em linhas daquele caderno. “Vinte e oito anos depois eu finalmente me convenci a confrontar meu medo, me libertar da fantasia, me despedir das vidas que não me pertenciam e assumir definitivamente quem eu realmente era, afinal de contas, a vida não deixou de acontecer só porque eu não queria participar dela e os anos visíveis nas marcas em meu rosto, me mostram todos os dias que se eu insistisse em continuar me escondendo, em breve, não haveria mais tempo para que eu pudesse ser absolutamente mais ninguém”, revela Sil Azevedo.
Como um instrumento de sobrevivência, a literatura foi um escape para Sil, assim como para uma geração de pessoas que viviam em situação de pobreza. “Nós não tínhamos acesso a nenhuma forma de lazer que não fosse as viagens imaginativas que os livros nos proporcionavam”, comenta a autora, que descobriu a magia das letras em sua primeira visita à Biblioteca Nacional, no centro do Rio, ao se deparar com a poesia de Camões. “Esse encontro com Camões me fez descobrir que a poesia poderia falar por mim e representar meus sentimentos, porque aquela poesia era exatamente o que eu gostaria de dizer à minha mãe naquele momento, e isso me levou a usar definitivamente a poesia como forma de expressão, desde então, todos os diários, cartas, lembretes e roteiros que escrevi, possuem uma linguagem extremamente poética”.
Ao se aceitar enquanto uma mulher homossexual, negra e de origem humilde, Sil Azevedo traz à tona a discussão elementar dos direitos sociais e individuais, e propõe, através da publicação de suas revelações mais íntimas, questionar os padrões que incitam o preconceito e a negação das diferenças. “Existe uma grande expectativa de que pessoas como eu voltem a se esconder da sociedade por medo de ser reprimido, e espero que esse livro faça com que as pessoas entendam que nada pode ser mais violento do que ter que se esconder do mundo, se condenar a uma solidão perpétua para continuar respirando, como se respirar fosse sinônimo de estar vivo”.
SIL AZEVEDO
A cineasta começou sua carreira como repórter fotográfico no jornal “Hora H” no Rio de Janeiro, até se mudar para Nova York onde cursou cinema na Academia de Cinema de Nova York (NYFA). Trabalhou por 6 anos com direção e produção de programas de foco político e questões sociais da comunidade, no canal de TV LMC.
Sua experiência como repórter fotográfico no Brasil, lhe motivou a sempre estabelecer uma conexão entre o seu trabalho a realidade social em que vivia, levando-a a ser premiada pela direção do documentário “Future Filmmaker” sobre o desafio do processo de adoção de 4 meninos detidos em uma presídio para menores infratores e pelo documentário “The Journey” que acompanhou toda a jornada de imigrantes ilegais contra as leis de imigração americana, de Nova York até a Casa Branca.
De volta ao Brasil, Sil Azevedo foi responsável pela montagem dos filme “O Veneno Está na Mesa II” de Silvio Tendler, premiado no Festival Internacional do Meio Ambiente (FICA) em 2015 e “A Arte do Renascimento” de Noilton Nunes, selecionado para o 46° Festival de Brasília em 2013, além de dirigir a fotografia do filme “Sigilo Eterno” de Noilton Nunes selecionado no Festival Internacional de Cinema Político da Argentina e no Festival Sócio-Ambiental de Nova Friburgo em 2017.
Ainda em 2017 foi triplamente premiada com seu curta metragem “Enquanto Canto”, nos festivais E.M.A no Espírito Santo, no Festival Cine Tamoio de São Gonçalo e no Festival Brasil Internacional de Cinema no Rio de Janeiro, e selecionado pelos festivais de cinema de Caruaru e Circuito Penedo de Cinema de Alagoas.
Com Assessoria de Fábio Cezanne