Coletivo emplaca obra literária em festivais de SP e projeta feira independente em Cuiabá

Coletivo 'Coma a Fronteira' é composto pelos artistas Pedro Duarte, Caio Ribeiro e Marcella Gaioto

O coletivo ‘Coma a Fronteira’, grupo que se utiliza do espaço urbano cuiabano para promover suas ações, teve uma zine (publicação artesanal com preço acessível) selecionada para participar de duas importantes mostras da literatura independente brasileira. Trata-se da 3ª Feira Interativa de Zines e Afins (FIZ) e do 4º Festival de Leitura e Literatura de Bauru (FELELI), eventos interligados que acontecem em Bauru-SP entre 22 de abril e 1º de maio. A publicação selecionada, intitulada “Ser Dentro do Ser”, tem como autores Marcella Gaioto, 21, e Caio Ribeiro, 22, ambos fundadores do Coletivo.

E a seleção da obra pelos festivais, além de valorizar o trabalho, também reforça na dupla o desejo de fomentar a literatura local com novas possibilidades de atuação. A ideia do Coletivo, segundo Caio, é montar uma feira independe em Cuiabá como resposta e alternativa à atual crise do mercado editorial. Ele se refere à gradativa queda na venda de livros por parte das grandes livrarias, o que culminou com pedidos de recuperação judicial das duas principais redes do país; Saraiva e Cultura.

Ele classifica a situação como “extremamente alarmante”, porém ressalta que somente as “grandes empresas entraram em colapso, mas os produtores não”, daí a necessidade e urgência do “fazer junto, fazer em coletivo”, analisa o escritor a ator.

Caio conhece os dois lados da moeda. Em 2018, lançou ‘Manifesto da Manifesta’, livro publicado e distribuídos nos moldes tradicionais. No entanto, fazendo jus ao coletivo, a obra se insere numa zona fronteiriça. Ou melhor, comendo as fronteiras.

“Dentro do circuito comercial, eu ainda sou um pouco independente. Meu livro, se você arranca as páginas dele, vira lambe-lambe, arte urbana… Então, dentro desse mercado, eu ainda sou parte independente dele”, avalia.

SER DENTRO DO SER
Já a zine selecionado pelos festivais, ‘Ser Dentro do Ser’, contempla todas as partes de um processo de criação independente (concepção, confecção e distribuição). Isso faz parte da natureza de uma Zine, que, por definição, é um recurso de publicação utilizado por artistas independentes para divulgação do trabalho. O formato não atende a padrões muito rígidos de tamanho, fonte e diagramação. E, por exigir pouco custo na edição e nas cópias, costuma ser bastante acessível.

Marcella e Caio assinam os textos. A poeta e acadêmica de letras também responde pela construção conceitual, as ilustrações e a montagem. “A ideia central é parte de algumas reflexões e leituras que tivemos acerca das relações que criamos com os lugares onde ocupamos. Apesar de já vivermos muito dentro da cidade, tem sempre algum bicho ao redor. Qualquer bicho”, pontua Marcella, se referindo ao fato de que o cerne da obra é composto por pequenos textos recheados de figuras de linguagem, e boa parte deles relacionados aos animais.

E são ótimas sacadas, como por exemplo a do tatu-bola: “a prova de que o mundo não está nos planos”; ou a do macaco: “a liberdade de não saber o que significa liberdade”; bem como a do tucano: “voa pra onde for mas não alcança nenhuma estrela”. Em geral, são assim, pequenos poemas bem dosados de humor e provocação, bem sugestivos e abertos a interpretações. E é importante ressaltar que ganham novas camadas de profundidade ao dialogarem com as ilustrações.

Uma das páginas da zine selecionada

“Tentamos brincar com as metáforas e as imagens que cada bicho nos inspirou, e, por final, deixamos para o leitor a tarefa de decifrá-las, para que cada leitura seja uma experiência pessoal”, conclui Marcella.

O processo de confecção é todo artesanal. Trata-se de uma minuciosa montagem, página por página, até que finalmente chega o momento de grampear todas e distribuir. “A gente faz cada desenho numa lâmina de papel, monta sobre a folha e escaneia… E aí desmonta essa página e depois monta outra da mesma forma, encaixando na posição do scanner, e assim vai…”, descreve Caio.

No entanto, após a seleção dos festivais, eles esperam firmar parcerias de impressão para que haja uma maior distribuição da obra. E pretendem cobrar um valor simbólico pela publicação, algo entre R$ 5 e R$ 7. Mas, enquanto as parcerias não são firmadas, os interessados em adquirir a zine podem entrar em contato direto com os autores (fim da matéria).

Coletivo ‘Coma a Fronteira’ é composto pelos artistas Pedro Duarte, Caio Ribeiro e Marcella Gaioto

COLETIVO COMA A FRONTEIRA
As reuniões do Coletivo Coma a Fronteira acontecem desde 2016. As ações do grupo variam e se misturam entre poesia, performance, teatro, música, lambe-lambe, arte urbana, dentre outras formas de expressão. Afinal, esta mistura é uma maneira de romper as próprias fronteiras artísticas.

“A gente faz essas artes se encontrando, elas são híbridas. É poesia, mas tem um pouco de performance. É música, mas tem um pouco de teatro”, explica Caio. Neste contexto, a cidade é o laboratório experimental do grupo. As praças, as ruas, os ônibus, enfim, o espaço urbano é como se fosse um palco. “Nosso campo é mesmo a cidade”, diz.

No entanto, sob a perspectiva do Coletivo, a cidade é como se fosse de fato um palco, porém sem dono, onde essa fronteira hierárquica entre artista e plateia é devorada, inclusive Caio ironiza “essa ideia de que o artista leva a cultura e as pessoas só recebem”.

Segundo ele, a proposta do coletivo é “algo mais marginal”, pois “trabalha comendo as fronteiras do público, trazendo a relação mais para próximo da cidade”, complementa.
Além de Marcella Gaioto (poeta e acadêmica de Letras); Caio Ribeiro (Escritor e Ator) e Pedro Duarte (fotógrafo e acadêmico de Biologia), que são os idealizadores e atuais membros, o Comendo Fronteira costuma realizar ações com vários colaboradores que não necessariamente pertencem ao grupo, como o Theatro Fúria e o coletivo Espectrolab.

“A gente tem essa perspectiva de comer a fronteira até do que se entende por grupo. Você pode participar sem necessariamente pertencer. A gente chama de membros flutuantes”, comenta Caio.

Por fim, confesso que fui dar uma olhadinha rápida na zine “Ser Dentro do Ser” só pra pegar alguma citação pra essa matéria, mas acabei sendo levado e o li inteiro. Atrasei um pouco. Perdi o tempo da matéria envolvido pelo tempo do espírito. Jornalismo por poesia. E encerro com outro poema do livro que talvez traduza bem a intenção do Coletivo. “É… Ainda faltam palavras pra quase tudo / Mas dá pra inventar outro mundo com as que nós já temos”.

SERVIÇO

Contato para adquirir a zine: Caio – (65) 99668-7299

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