Um passado cada vez mais presente
Por Túlio Paniago
Alguns são antenadas em tudo que acontece no presente. Mal o anzol foi mordido, já informam qual é o peixe. Tudo instantâneo, imediato e urgente. Outros se conectam ao futuro. Apresentam a inovação antes que haja obsolescência. Tudo dinâmico, cíclico e previsível. Além destes dois tipos, alguns poucos ainda se relacionam com o passado. Profetas que olham para trás. Curiosos, identificam pessoas em fotografias desbotadas. Pacientes, desempoeiram objetos antigos. Saudosos, relembram causos memoráveis. Maria da Piedade Almeida Ribeiro, sem dúvidas, se encaixa neste terceiro grupo.
Nascida na fazenda Rosilho, município de Poconé, Dona Bem, como é conhecida na região, é considerada uma historiadora nata. No entanto, sua trajetória começou por acaso, a partir de uma mania, aparentemente despretensiosa, de recolher coisas antigas. Seja em casa de amigos, nas ruas, enfim, onde quer que estivesse, uma inexplicável força interna, como se fosse um imã, lhe atraía até qualquer tipo de antiquaria.
Não, ela não é uma acumuladora compulsiva. Pelo contrário, escolhe minunciosamente quais peças estão aptas a compor seu acervo pessoal. Afinal, Dona Bem possui um museu em Poconé (105 km de Cuiabá), batizado de “Cantinho da Vovó Bem”, onde recebe cerca de 70 visitantes por mês. Desde a abertura ao público, em 2005, aproximadamente 6 mil pessoas já passaram pelo local.
Um cantinho dela e do mundo
E tudo começou de forma intuitiva. Atiçada por sua curiosidade de professora, passou a colher e apurar fatos, escrever relatos, reproduzir causos e reunir todas as informações possíveis sobre os acontecimentos históricos do município. Somado a isso, juntou tudo o que tinha guardado durante todos estes anos. Dentre as peças, pode-se destacar uma banheira de pedra feita por escravos e uma prensa de fazer pisos de mosaico fixada há aproximadamente 90 anos. Em suma, todo o acervo retrata aspectos do viver cotidiano da cidade de Poconé e de seus moradores ao longo de quase trezentos anos.
A iniciativa de Dona Bem é muito importante para a preservação e transmissão da cultura/história local, pois possibilitou, inclusive, que peças dos séculos XVIII e XX fossem salvas da destruição ou vendidas para colecionadores. No entanto, apesar do reconhecimento público de que goza, ainda assim ela é obrigada a sustentar o espaço com recursos próprios.
Entretanto, apesar do custo, este feito é a grande realização de vida de Dona Bem, que foi possibilitado graças a uma parceria com o SEBRAE. Assim seu espaço passou a fazer parte do Guia de Museus Brasileiros do Ministério da Cultura, além de ser ligado diretamente ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Além disso, por desempenhar tal função com tanto empenho, faz parte da Academia Litero-Cultural Pantaneira, onde ocupa a cadeira de número 06.
Biografia
Filha de Pedro Celestino de Almeida e Dalila Lobo de Almeida, ela viveu os primeiros oito anos de sua vida na fazenda onde nasceu. Atualmente já coleciona 85 primaveras. Quando se mudou para Poconé, estudou na Casa de Repouso Colégio Imaculada Conceição, atual Madre Luiza Bertrand.
Mais tarde, aos 17, se casou com Luiz Afonso Ribeiro, com quem viveu por 53 anos e teve seis filhos biológicos e duas adotivas, chamadas por ela de “filhas de coração”. São elas: Ceide, Sayde, Sinay, Sálvio, Suéde e Sonja, Cilene e Maria Auxiliadora. O apelido dado a Maria da Piedade foi obra do marido, que a chamava de “bem”. O carinhoso vocativo acabou sendo assimilado pelos filhos e, posteriormente, por toda a população do município.
Mulher de bastante fé, participou do movimento de cursilho da cristandade e, junto com alguns amigos e com o Padre Joaquim, ajudou a fundar as primeiras comunidades cristãs das zonas urbanas e rurais de Poconé. Além disso, zelou durante treze anos pela Igreja Menino Jesus e foi catequista.
Também se dedicou ao magistério, ministrando aulas na Escola General Caetano de Albuquerque, no sítio Santa Rita e em uma fazenda chamada Varzearia. “Ela sempre teve uma característica que a diferenciava das demais professoras. Por ela gostar muito de história, então ela fazia com que a área da memória da história também fosse repassada para estas pessoas”, relata o escritor e historiador João Carlos Vicente Ferreira.
Além disso, também foi balconista, revendedora de cosméticos e roupas, dona de salão de beleza, doceira, quituteira e fabrica licores. Todavia, não há dúvida alguma de que sua maior realização tenha sido a criação do museu, que, além ser motivo de grande orgulho pessoal, também se tornou um importante ponto simbólico para a população do município. “O museu e minha mãe, juntos, são a representação da preservação da nossa cultura poconeana”, conclui Sonja Terezinha Ribeira, uma de suas filhas.