O ‘in-Próprio Coletivo’ traz de volta aos palcos o prestigiado “In-Próprio para Dinossauros”, encenado pela primeira vez em 2018. A peça, que propõe uma experiência entre teatro, cinema e música, se vale de alegorias e metáforas relacionadas ao período jurássico para abordar questões contemporâneas, como machismo, misoginia e sexismo.
Neste contexto, a desobediência é posta como uma força e obrigação moral perante a injustiça. O espetáculo será apresentado neste sábado e domingo (17 e 18 de maio) no Sesc Arsenal. A entrada custa R$ 20 (inteira) / R$ 10 (meia).
A dramaturgia foi construída a partir do diálogo estabelecido entre os relatos pessoais de sete mulheres e vivências das próprias realizadoras do coletivo. “São as nossas histórias de vida misturadas com as histórias de vida destas mulheres”, explica Daniela Leite, diretora, dramaturga e atriz da peça.
A construção teatral aproxima narrativas autobiográficas (as histórias de vida das mulheres) e o exercício autoficcional (processo de recorte, seleção e articulação entre essas histórias durante a elaboração dramatúrgica). Por isso, nas entrevistas para colher estes relatos reais, as integrantes do coletivo estabeleceram que o cerne da questão seria o quanto cada uma daquelas mulheres precisou “se destemperar e ‘surtar’ para realizar aquilo que desejava, já que nós, mulheres, somos tolhidas em tantas coisas”, reflete Daniela.

As sete entrevistadas, escolhidas por ordem de inscrição, são mulheres de diferentes faixas etárias (dos 20 aos 70 anos), classes sociais e até nacionalidade (duas colombianas). “Também tem essa relação com mulheres da América Latina, porque não é uma realidade localizada, é estrutural de vários países”, pontua Daniela.
E acrescenta que esta relação estrutural naturaliza padrões de comportamento e cristaliza ideais no imaginário popular, como por exemplo as “relações entre homem e mulher, entre o que é ser mulher e o que é ser homem, como se fosse uma verdade, uma ideia de natureza humana”.
DESOBEDIÊNCIA ENQUANTO FORÇA
Ciente deste processo de naturalização, In-Próprio para Dinossauros “faz uma ironia com essas questões justamente para escancarar e questionar o quanto é cansativo essas determinações sobre os corpos”, comenta. E diante destas imposições e determinações, o espetáculo elege a desobediência como uma das principais forças na luta por justiça e igualdade.
“Somos quatro mulheres em cena tecendo uma ode à desobediência aos códigos jurássicos que impuseram aos nossos corpos durante séculos!”, diz uma das chamadas no Facebook do coletivo.
“Se não fosse essa desobediência a gente não estaria votando, não estaria no mercado de trabalho, não estaria estudando… É claro que a gente ainda precisa desobedecer e conquistar muitas coisas, ainda mais no momento político atual, mas a gente já avançou por conta dessa desobediência, então ela é uma força muito grande nessas questões de ser mulher nesse mundo”, complementa Daniela.
DESCONSTRUÇÃO DO JURÁSSICO
E problemática de ser mulher nesse mundo é explorada nos mais variados âmbitos e contextos “desde o nosso ofício, profissão, até questões familiares e domésticas”. Em suma, é lançada uma lupa sobre “situações que a gente enfrenta todo dia de machismo, misoginia e sexismo”, situações estas que já deveriam ter sido superadas há séculos.

“O jurássico tem a ver com isso que é antigo, que é ultrapassado, que já deixou de existir, mas habita o nosso imaginário. […] Por que que a gente ainda tem que passar por isso e tem que discutir isso? Pelo amor de deus, né? Já deu. Já acabou. Só está no imaginário. E a gente precisa desconstruir urgentemente”, ressalta Daniela.
E as próprias integrantes do coletivo se incluem neste processo de desconstrução, inclusive o prefixo ‘In’ do título do espetáculo se refere a isso, à essa ideia de se colocar dentro. “A gente também está se desconstruindo nesse processo”, afinal de contas “não é uma questão binária, tipo o homem vem com isso e a mulher não. Claro que não. A gente faz uma leitura ampla sobre isso. É uma questão estrutural que está entranhada em nossos corpos, e se a gente não pensar sobre, não questionar, não desnaturalizar essas questões culturais, sociais, a gente não vai mudar nunca”. Portanto, conclui Daniela, “fazer desse assunto o nosso motivo artístico é uma maneira de questionar, de desconstruir, de se reinventar”.

IN PRÓPRIO COLETIVO
Surgido em 2013, o coletivo se deu a partir do encontro entre artistas com mútua admiração e afeto, que movidas pelos nós invisíveis das influências, paixões e interesses em comum, criaram o premiado espetáculo OraMortem, que circulou por mais de 30 cidades brasileiras.
Em 2014, após um aprofundamento das pesquisas em performance e teatro contemporâneo, conceberam a performance/composição urbana “Não cabe mais, gente!”, que foi apresentada em dez estados da federação. E mais recentemente, em 2018, criaram “In-Próprio para Dinossauros”.