Guapo e João Eloy revelam os segredos das composições do rasqueado

O Dia Mundial do Compositor é celebrado em 15 de janeiro. Mas no Brasil, terra de incontáveis gênios da música, há outro dia especial para enaltecer os talentos nacionais. Em todo 7 de outubro comemora-se o Dia do Compositor Brasileiro.

De maneira simplificada, compositores são pessoas que criam música, seja a letra, melodia e ou harmonia. Mas quem são eles, como vivem, de onde vem a inspiração para as grandes composições? 

Para responder essas perguntas, destacamos dois importantes compositores de Mato Grosso, representantes do famigerado “limpa banco”, o rasqueado cuiabano. Conhecedores da causa, o Doutor do Rasqueado, João Eloy e o Mestre Guapo desvendam um pouco da história e do processo criativo de um dos gêneros musicais mais aclamados pelos mato-grossenses.

É interessante notar que o rasqueado cuiabano, até os anos 1970, era instrumental, não possuía letras. Da gênese da música regional, Zulmira Canavarros, Mestre Albertino, Tote Garcia, Mestre José Agnello Ribeiro, todos tão criativos quanto relevantes para quem tiver que se enveredar pela história da música mato-grossense.

Na geração seguinte, na década de 1980, de Guapo, João Eloy, Roberto Lucialdo, Pescuma, Mestre Bolinha, Vera e Zuleika o gênero incorpora à letra cantada e as canções passam a retratar um outro viés da cultura cuiabana, o registro de suas tradições.

Surgia então uma nova etapa, reconhecida por muitos estudiosos como a revitalização do rasqueado, composta por uma nova leva de artistas.

Mestre Guapo

Milton Pereira de Pinho, o Guapo, é cantor, compositor, escritor e um dos mais importantes pesquisadores das tradições mato-grossenses. Hoje, é reconhecido – e premiado – como Mestre da Cultura Popular pelo Ministério da Cultura.

Idealizador da Rua do Rasqueado, tradicional festival de música popular da Baixada Cuiabana, Guapo tem histórico de engajamento e amor pelas tradições musicais, tendo ele composto e gravado vários discos que exaltam o rasqueado, sejam eles cantados ou instrumentais, como o que idealizou junto à Orquestra de Mato Grosso.

Também é autor de livros sobre a música em Mato Grosso. No já clássico “Remedeia Co Que Tem”, ele pesquisa a história do rasqueado e outros gêneros músicas e suas evoluções criativas.

“A composição do pré-rasqueado, lá no início do século 20, trazia canções que na verdade, eram siriris tocados em ritmo de rasqueado. Ou mesmo uma polca paraguaia traduzida para o português, apresentando assim uma nova versão tocada e cantada em ritmo de rasqueado, 2×4, mas modulando em 3×4 por causa do contrabaixo”.

Quem ditava o tom das composições eram os títulos das músicas da época. “Rabelo no Coxipó”, “Manito na farra”, “Lá no bairro do Areão”, todas instrumentais, mas cheias de significados. “O mesmo aconteceu no chorinho, no jazz. Títulos de música traduziam a intenção da composição”, explica.  

Logo, precisamente de 1993 para cá, “depois da Rua do Rasqueado”, frisa Guapo, desenvolve-se todo um manancial, tanto de instrumentistas quanto de compositores. É neste cenário que destacam-se João Eloy, Roberto Lucialdo, Pescuma, Moisés Martins e o próprio Guapo. 

“As letras dessa época até a atualidade, são ufanistas. Ligadas ao cotidiano da Baixada Cuiabana. Geralmente, exaltam nossas tradições, ao falar desde a Ponte do Rio Coxipó até a cabeça de boi da Guia. As temáticas, em sua maioria, envolvem o existir, a aldeia”.

Das composições próprias, entre músicas com vocais ou rasqueados instrumentais, ele destaca a “Saranzeiro Velho” (ouça). “Essa música compus em 2004, na região de Santo Antônio do Leverger. Senti uma interação imaginária com um saranzeiro à beira do rio e senti o afastamento das composições com o mundo mítico da nossa cultura, como o Minhocão, Negrinho D´Agua, Pai do Mato e Pé de Garrafa”.

E quando questionado sobre a fórmula de sucesso para um rasqueado ele entrega: “um rasqueado feito para agradar precisa de marketing. Pegue as palavras e anseios que as pessoas estão falando e coloque na letra. É algo construído, é como uma receita de comida”.

João Eloy, o doutor do rasqueado

Médico, escritor, poeta, cantor e compositor, João Eloy, o doutor do rasqueado, é militante da cultura mato-grossense. Com produção efervescente – 20 discos gravados e seis livros publicados – João Eloy faz parte de uma seleta casta de compositores da nova geração, que além dos nomes citados por Guapo, têm ainda em seus quadros, Vera e Zuleica, Mestre Bolinha, Gilmar Fonseca e Banda Terra.

João Eloy afirma que sua música trouxe um certo diferencial, segundo ele, faz parte retomada do rasqueado. “Depois que compus a canção ‘Engenho Novo’ (ouça), com guitarras distorcidas e com a inclusão de backing vocals (vocais de apoio), o rasqueado ganhou uma cara nova. Essa fórmula lançou uma nova tendência na composição do rasqueado”, orgulha-se.   

E sobre o teor das composições, assim como Guapo, João Eloy endossa que foi a partir dos anos 1980 que “as letras das canções passaram a defender a linguagem e hábitos da nossa gente. O artesanato, a culinária, o Pantanal. Agregamos valor por falar a linguagem do cuiabano, assim, todo se sentem parte do processo”.

E é por isso que escolhemos revisitar um dos períodos de maior efervescência de nossa cultura, realçando alguns dos nomes mais representativos, dignos de reverência. No Dia do Compositor Brasileiro, uma boa pedida é revisitar o repertório de canções feitas por compositores locais que protagonizaram um movimento extremamente criativo da música de Mato Grosso, o rasqueado.

Por: Protásio de Morais | Secom/MT