Admiradora confessa de Stephen King, a argentina Mariana Enriquez pode surpreender o leitor que esperar apenas um pastiche argentino do escritor americano. O terror presente nos 12 contos de “As coisas que perdemos no fogo” (Intrínseca, 192 pgs. R$ 29,90) segue uma vertente bem mais psicológica, suave e sutil: é um terror que se insinua nas entrelinhas, que mais angustia do que assusta, que provoca mais aflição do que medo, que perturba mais do que apavora.
Há algo de cortazariano no tom intimista das narrativas e na construção das personagens, mas há também um retrato quase sociológico da sociedade contemporânea, das relações afetivas e familiares, das formas de conviver com a crise econômica, da liberdade/desorientação sexual e comportamental da juventude, da reconfiguração das relações amorosas – a ponto de o elemento sobrenatural parecer quase dispensável em algumas histórias.

Se a psicologia dos personagens é importante, o aspecto sociológico de sua ficção torna Mariana uma escritora bastante enraizada no seu país e no seu tempo: seus contos sempre partem de um registro realista do cotidiano argentino: a geografia dos subúrbios de Buenos Aires e a História recente de seu país também são personagens dos contos.
O ambiente, a arquitetura, o clima e as trajetórias familiares são determinantes dos enredos, aparentemente banais. A casa onde vive a protagonista do primeiro conto, “O menino sujo”, determina não somente os acontecimentos externos que a afetam, mas também a sua vida interior.
Fonte: G1 | Luciano Trigo