Sesc Arsenal exibe “Cidadão Ilustre”, premiada produção argentina de humor ácido

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Túlio Paniago

O CineSesc tem por tradição selecionar obras que gozam de considerável prestígio junto à crítica especializada, frequentemente produzidas por renomados realizadores, porém que nem sempre chegam ao grande público, ou seja, às salas dos cinemas comerciais. Este é o caso de “Cidadão Ilustre (2016)”, filme indicado pelo Argentina, em 2017, para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O longa será exibido nesta sexta (25.01) às 19h30 no Sesc Arsenal. A entrada é gratuita.

Não é novidade que há algum tempo o cinema dos nossos ‘hermanos’ se tornou motivo de orgulho para toda a América Latina, principalmente pela qualidade dos roteiros, vide “O Segredo dos Seus Olhos (2009)” e “Relatos Selvagens (2014)”, ambos premiados em festivais do mundo todo. “Cidadão Ilustre” dá continuidade a esta tradição. A comédia dramática, de humor bastante ácido, dirigida pela dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat (O Homem ao Lado) foi o principal vencedor (Filme, Roteiro e Ator) do Prêmio Platinos, que contempla toda a produção ibero-americana.

E, ironicamente, uma das principais questões da trama é justamente a legitimidade das premiações, já que o protagonista, o escritor Daniel Mantovani (Oscar Ramirez, Melhor Ator – Festival de Veneza), logo na primeira cena do longa, recebe o Nobel de Literatura e discursa lamentando este feito, que, segundo ele, simboliza o “fim de sua aventura criativa”.

Enfim, após este constrangedor agradecimento, Mantovani decide, após quarenta anos na Europa, visitar sua cidade natal, o pequeno povoado de Salas, localizada no interior da Argentina, onde será agraciado com o título de “Cidadão Ilustre”. É aí que começa todo o conflito, afinal toda a substância de sua obra literária é extraída daquele lugar e daquelas pessoas. Um verso de Kaváfis resume essa lógica: “você crê ter deixado sua cidade, mas sua cidade lhe segue”.

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Este retorno à Salas proporciona situações realmente hilárias, e às vezes até tensas e arriscadas. Os diálogos são muito bons, levantando questões como a importância/finalidade da arte e da cultua, colonização cultural, a tênue linha entre realidade e ficção, a distância entre o público e o bem artístico e a louvação vazia à celebridade, dentre outros pontos, porém sempre com um humor tão ácido que beira o cinismo.

O arco dramático do personagem protagonista é muito bem desenhado, levando o público a oscilar entre aproximação e distanciamento com o arrogante e envaidecido escritor. É, ao mesmo tempo, incômodo, instigante e universal, como toda boa história costuma ser.

E essa ambiguidade é proposital na narrativa, uma vez que aborda certas tradições locais com evidente desprezo, ao passo que, simultaneamente, insinua a todo momento que o protagonista foi corrompido por uma cultura estrangeira, algo que ele mesmo parece ter consciência.

O jornalista que vos escreve já teve o prazer de assistir “Cidadão Ilustre”, por isso asseguro se tratar de um filme que não acaba no cinema. É daqueles que, após a sessão, levanta algumas possíveis interpretações, evoca reflexões e nos leva a um caloroso bate-papo regado à cerveja no convidativo jardim do Sesc Arsenal. Afinal de contas, como diria o intrigante personagem principal, “toda verdade é fruto de uma interpretação”.

 

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