Vanessa da Mata vinha pavimentando trajetória ascendente como compositora quando, há cinco anos, derrapou no caminho com a edição de álbum, “Segue o som (2014)”, de menor fôlego autoral. Seguiu-se um registro audiovisual de show, “Caixinha de música (2017)”, que reiterou a impressão de que a cantora e compositora estava começando a dar sinais de cansaço.
Essa impressão se desfaz hoje com o lançamento do luminoso sétimo álbum de estúdio da artista, “Quando deixamos nossos beijos na esquina”, o primeiro disco produzido pela própria Vanessa da Mata. Como sinalizou o single “Só você e eu (Vanessa da Mata)”, delícia pop apresentada em 7 de maio, a compositora retoma o fôlego autoral com gana jovial.
Roçando o ponto de coesão do quinto e melhor álbum da cantora, “Bicicletas, bolos e outras alegrias (2010)”, ‘Quando deixamos nossos beijos na esquina’ se revela disco cheio de frescor, mesmo que a rigor somente reforce a assinatura pessoal dessa compositora de intuitivo fluxo criativo.
As melodias de Vanessa da Mata parecem jorrar notas de forma incontrolável, como exemplifica o beat pop acelerado de “Ajoelha e reza (Vanessa da Mata e Liminha)”, enquanto as letras salpicam achados coloquiais sobre a vida e o amor como se a cantora estivesse filosofando em mesa de bar.
Musicalmente, um dos achados do álbum é a conexão com o rapperbaiano Baco Exu do Blues, parceiro e convidado de Vanessa da Mata em “Tenha dó de mim”. Nessa faixa é como se Vanessa estivesse rodopiando com Baco no centro de roda de samba da Bahia, evocando batidas do Recôncavo com um pé na África e outro no mundo. Até porque a cadência do samba é levada no toque de instrumentos inusuais nessas rodas, como a guitarra de Davi Moraes, um dos músicos arregimentados para o disco.
E por falar em virtuoses, a bateria do paralama João Barone marca com a habitual pressão a orquestração da música-título “Quando deixamos nossos beijos na esquina (Vanessa da Mata)”, faixa que se assenta progressivamente sobre baticum afro-brasileiro.
O mérito de Vanessa da Mata é que, mesmo tendo seguindo a cartilha sonora contemporânea a partir do segundo álbum, “Essa boneca tem manual (2004)”, a artista não se deixou enquadrar na moldura engessada do mercado. “Nossa geração mata o diferente / Padronizam frutos, flores e gente”, acusa a cantora em versos de “Nossa geração (Vanessa da Mata)”.
A exemplo de discos anteriores da cantora, o álbum “Quando deixamos nossos beijos na esquina” transita entre o romantismo pop – explicitado nos versos de “Demais pra mim (Vanessa da Mata)”, balada climática que evidencia os toques da guitarra de Maurício Pacheco e dos teclados de Rodrigo Braga – e o regionalismo brejeiro, mote do samba “Debaixo da saia dela (Vanessa da Mata)”, situado em algum lugar entre o quintal carioca e a roda de Riachão, ícone baiano do gênero.
“Debaixo da saia dela” é música que certamente propiciará os rodopios da artista no ainda inédito show da turnê nacional que a cantora estreia amanhã, 1º de junho, em Salvador (BA). Impossível resistir à cadência bonita desse samba no suingue da percussão de Cacá Franklin e da guitarra marota do recorrente Davi Moraes.
Música leve e solta, “Dance um reggae comigo (Vanessa da Mata)” já cita no título o ritmo jamaicano que banha a praia de Vanessa da Mata sobretudo desde o álbum “Sim (2007)”.
Afetuosa canção composta como carta aberta para o filho da artista, “O mundo para Felipe (Vanessa da Mata e Liminha)” mostra – assim como a envolvente canção final “Hoje eu sei”, parceria de Vanessa com o sueco Jonas Myrin – que a compositora versa sobre emoções reais, cantando delícias e dores da vida.
Vinte anos após ter sido revelada na voz de Maria Bethânia, intérprete original da canção “A força que nunca seca (Chico César e Vanessa da Mata, 1999)”, Vanessa da Mata segue o som em álbum que a repõe nos trilhos, plantando jabuticabas pelo universo pop sem deixar de regar o próprio quintal. (Cotação: * * * *)