Anna Maria Ribeiro
Anna Maria Ribeiro Costa – Escritora Pesquisadora com pós-doutoramento em Ciências Sociais PUC/SP

A folhear as páginas em papel Bíblia do Aurelião, o verbete veracidade, do latim,veracitate, qualidade de veraz, veridicidade, verdade, apego à verdade, inspira-me para ver a cidade de Cuiabá e saudá-la no ano novo.

Minha retrospectiva do ano que finda não é televisiva. Minha retrospectiva leva meu olhar às ruas de Cuiabá, minha morada desde os princípios de 1990. Nela, posso seguir minhas próprias pegadas e refazer os caminhos dos 18. Visualizo as artes plásticas a sustentar viadutos com imagens que representam fragmentos da vida cotidiana assinadas por Régis Gomes, Zilda Barradas, Wender Carlos Nascimento, Adriano Ferreira Figueiredo, Odete Venância, Benedito Silva, Rafael Jonnier, Vitor Hugo, Nadja Lammel e Babu, todos orquestrados pelo escultor Fred Fogaça.

Elas podem me fazer esquecer dos meses a fio de canteiros de obras a provocar um tráfego penoso; mas não me fazem esquecer da cor negra da pele dos haitianos que passaram a colorir as ruas da cidade, tal como fizeram os artistas plásticos nos pilares dos viadutos; mais recentemente, os venezuelanos que tentam adaptar-se aos tantos jeitos da cidade para encontrar trabalho.

Para além de ver a cidade com veracidade, quero-a limpa, com marquises a proteger pessoas que necessitam de transporte público e de refúgio do sol e da chuva; quero guiar-me pelas ruas com placas de identificação, como em Várzea Grande; quero encontrar recipientes de lixo em pontos estratégicos; quero atravessar ruas com a proteção das faixas de pedestres; quero sentar-me em praças arborizadas.

Aos pés do Morro da Luz, próximo à igreja de São Benedito e do Rosário, impressiono-me com malabaristas, debaixo de 40°, a ganhar a vida com suas habilidades e destrezas de movimentos de corpos e jogos, à frente de meu carro parado no semáforo, a 20°, mesmo que moedas não lhes dê; a agradecer aos homens limpadores de para-brisas, ainda que nem sempre queira seus serviços em troca de moedas; a dar visibilidade aos meus irmãos do chão.

A lembrar de Drummond na “Passagem do ano”:

O último dia do tempo

Não é o último dia de tudo.

Fica sempre uma franja de vida

Onde se sentam dois homens.

Um homem e seu contrário,

Uma mulher e seu pé,

Um corpo e sua memória,

Um olho e seu brilho,

Uma voz e seu eco.

E quem sabe até se Deus…

 

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