“Em Cuiabá não me chamam nem pra chupar caju”, ironiza artista selecionado para uma das mais importantes mostras do país

Embora “esquecido” na terra natal, o cuiabano Gervane de Paula foi o único de MT selecionado para o 36º Panorama da Arte Brasileira em São Paulo

Gervane de Paula foi formado no icônico Ateliê Livre, de Dalva de Barros - Foto: Rai Reis

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) divulgou, na segunda-feira (01.04), a lista dos artistas selecionados para compor o 36º Panorama da Arte Brasileira, uma das mais tradicionais exposições periódicas do país, e que inclusive completa 50 anos de existência nesta temporada. Dos 29 artistas escolhidos, apenas um é mato-grossense. Trata-se do cuiabano Gervane de Paula, 58, que, curiosamente, não tem sido muito lembrado durante a programação cultural em homenagem aos 300 anos da capital.

Gervane se diz satisfeito – mas não surpreso – com a seleção de seu nome, uma vez que reconhece, sem falsa modéstia, a consistência da própria obra, que figura com cada vez mais frequência em mostras nacionais e internacionais. O que lhe causa surpresa, na verdade, é a ausência deste mesmo reconhecimento em sua terra natal, onde, por sinal, ainda reside. “Nessas comemorações dos 300 anos de Cuiabá não me chamam nem pra chupar caju… Nem pra riscar uma viola-de-cocho…”, brinca.

Gervane usa o deboche e a comédia crítica para denunciar injustiças sociais e ambientais

Mas, embora não esteja desfrutando dos cajus de Mato Grosso como gostaria, tem colhido frutos em outros quintais. A página do MAM – SP, por exemplo, afirma que Gervane vem “usando o deboche e o gatilho da comédia crítica para denunciar injustiças sociais e ambientais”.

O museu paulista ainda destaca sua participação na ‘Geração 80’, a qual define como “movimento artístico brasileiro de grande relevância nas artes plásticas”. E além de lembrar de suas constantes participações em mostras individuais e coletivas – no Brasil e no exterior-, reforça que a obra do cuiabano “tem natureza na cultura de massa, popular e religiosa, e trata do realismo social falando sobre as várias formas de violência urbana, partindo do cenário local para retratar o mundo em que vive”.

A publicação também cita a diversidade de técnicas e materiais utilizadas por Gervane para compor suas obras, como tijolos, latas, pneus, borrachas, troncos, dentre outros. Neste sentido, a curadoria do museu aponta certa tendência ao hibridismo, pois “sua produção está situada entre a pintura, desenho, objeto e instalação, utilizando diversos suportes e materiais”.

Ele é um dos artistas formados no icônico Ateliê Livre, de Dalva de Barros, assim como outros expoentes contemporâneos das artes plásticas mato-grossenses, como Adir Sodré e Benedito Nunes. Segundo Gervane, estes dois colegas, e também Vitória Basaia, são alguns dos que conseguem, “apesar das dificuldades, viver dignamente da arte” em Mato Grosso. Por isso consideraria justo caso qualquer um deles fosse selecionado para a exposição. No entanto, bem-humorado como de costume, pontua em meio a risos: “Mas ainda bem que fui eu, né?”.

Imagem da Instalação ‘Sofram Comigo’ – Foto – Rai Reis


36º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA

Celebrando 50 anos desde sua criação, em 1969, a mostra chega à sua 36ª edição, uma vez que se tornou bienal a partir de 1995. Sob curadoria da sergipana Júlia Rebouças, a exposição deste ano traz como título e conceito a palavra ‘sertão’ em suas diversas aplicações e significações. A abertura acontece dia 17 de agosto e permanece até 15 de novembro no MAM – SP.
Amparada pela temática ‘sertão’, a proposta da curadora é descentralizar o conteúdo, tanto é que apenas seis dos 29 artistas são do eixo Rio-São Paulo. Rebouças pensou em diversidade de linguagens, de gênero e de etnias. A promessa é que a exposição não perpetue o senso comum quando se pensa em sertão.

“Droga de arte”, 2018, objeto escultura em madeira

“Se o imaginário de um certo senso comum trata o sertão como vazio, aridez, aspereza ou indigência, a ele confrontam-se as acepções de vitalidade, força, resistência, experimentação e criação, gestadas a partir de uma ordem de saberes e práticas que desafia o projeto colonial em suas reiteradas tentativas de submissão. De forma alusiva, o sertão refere-se a um só tempo à arte e ao estado da arte”, adiantou Rebouças.

Transformações da sociedade brasileira, religiões, violência policial, identidade de gênero, preconceito racial e meio ambiente são alguns dos temas que aparecem nas fotografias, pinturas, instalações, performances, vídeos, esculturas e objetos deste Panorama. Afinal de contas, como explica a curadora, não há nada que consiga traduzir plenamente o sertão.

Mundo Animal – Uma Provocação – Gervane de Paula


“Os elementos de uma certa geografia não constituem suficientemente o sertão. As ocupações humanas não são o sertão. Também não o são as forças telúricas. Não há empreendimento, monumento ou manifestação que consiga simbolizar inteiramente o sertão, nem mesmo o sagrado ou o festivo. Há sempre uma condição-sertão que funda outra existência e que não se deixa confinar”.


LISTA COMPLETA DOS SELECIONADOS
Ana Lira (Caruaru – PE)
Ana Pi (Belo Horizonte – MG)
Ana Vaz (Brasília – DF)
Antonio Obá (Ceilândia- DF)
Coletivo Fulni-ô de Cinema (Águas Belas – PE)
Cristiano Lenhardt (Itaara – RS)
Dalton Paula (Brasília – DF)
Daniel Albuquerque (Rio de Janeiro – RJ)
Desali (Contagem – MG)
Gabi Bresola & Mariana Berta (Joaçaba – SC/ Peritiba – SC)
Gê Viana (Santa Luiza – MA)
Gervane de Paula (Cuiabá – MT)
Lise Lobato (Belém – PA)
Luciana Magno (Belém – PA)
Mabe Bethônico (Belo Horizonte – MG)
Mariana de Matos (Governador Valadares – MG)
Maxim Malhado (Ibicaraí – BA)
Maxwell Alexandre (Rio de Janeiro – RJ)
Michel Zózimo (Santa Maria – RS)
Paul Setúbal (Aparecida de Goiânia – GO)
Radio Yandê (Rio de Janeiro – RJ)
Randolpho Lamonier (Contagem – MG)
Raphael Escobar (São Paulo – SP)
Raquel Versieux (Belo Horizonte – MG)
Regina Parra (São Paulo – SP)
Rosa Luz (Gama – DF)
Santídio Pereira (Curral Comprido – PI)
Vânia Medeiros (Salvador – BA)
Vulcanica PokaRopa (Presidente Bernardes – SP)

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