Opinião – Os espaços orgânicos da Cultura no Brasil, por Fabiano Piúba

Opinião – Os espaços orgânicos da Cultura no Brasil, por Fabiano Piúba

A percepção abrangente e democrática de espaço cultural na Lei Aldir Blanc

Por Fabiano dos Santos Piúba*

“Não cabe ao Estado fazer cultura, a não ser num sentido muito específico e inevitável. No sentido de que formular políticas públicas para a cultura é, também, produzir cultura. No sentido de que toda política cultural faz parte da cultura política de uma sociedade e de um povo, num determinado momento de sua existência. No sentido de que toda política cultural não pode deixar nunca de expressar aspectos essenciais da cultura desse mesmo povo. Mas, também, no sentido de que é preciso intervir. Não segundo a cartilha do velho modelo estatizante, mas para clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma espécie de do-in antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país. Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo. Porque a cultura brasileira não pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre a tradição e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e informações e tecnologias de ponta.”

(Discurso de posse do Ministro Gilberto Gil, 02/01/2003)

Dona Zulene Galdino é mestra em Pastoril, Dança do Coco e Maneiro Pau. Mas também do Ciclo Junino com as Quadrilhas que faz na sua rua nas noites de São João, na Vila Novo Horizonte, Crato, Cariri, Ceará. Uma brincante com seus belos vestidos florais e saias rodadas. Além dos vestidos e longas saias, um pandeiro e um chapéu de couro sempre estão em sua companhia, como extensão de seu corpo e de suas artes. Nunca vi Mestra Zulene triste. Está sempre com uma alegria para compartilhar com sua gente. Aliás, ela disse que traz consigo uma mensagem que escutou muitas vezes de seu pai: “Vamos brincar que, através da brincadeira, a tristeza acaba”. Com seu pai aprendeu também que deveria continuar a tradição. Dona Zulene Galdino é Mestra da Cultura certificada pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) desde 2006 e diplomada com o Título de Notório Saber em Cultura Popular pela Universidade Estadual do Ceará – UECE em 2016. Um feito que conseguimos para todos os mestres e mestras da cultura certificados pela Secult-CE, dando-lhes condições para lecionar no ensino fundamental, médio e até como professor convidado no ensino superior e receber como doutores. Na casa de Mestra Zulene funciona uma escola de cultura popular e também um belo Museu Orgânico nos moldes das ações da Fundação Casa Grande de Nova Olinda com apoio do Sesc-Ceará.

Mestre Zulene Galdino – foto de Augusto Pessoa

Dona Maria de Lourdes Alves é a Cacique Pequena do Povo Jenipapo-Kanindé em Aquiraz, Ceará. Como ela mesma diz, “eu sou cacique e guardiã da memória”. Cacique Pequena é quem conta as histórias dos seus antepassados. Diz que aprendeu com os troncos velhos, com a Mãe Terra e o Pai Tupã os saberes e fazeres de seu povo. Cacique Pequena é Mestra da Cultura certificada pela Secult-CE desde 2015 e diplomada com o título de Notório Saber pela UECE em 2016. Ela também compõe belas cantigas que traduzem os encantados das águas e da mata com toda força da natureza e do Torém. Mas ela própria é de uma natureza guerreira e de paz, num equilíbrio de ternura e garra que sentimos quando a abraçamos ou dançamos uma roda de Torém puxada por ela. A Lagoa Encantada e o seu terreiro são os solos sagrados de sua aldeia e matrizes para seus saberes. Mestra Cacique Pequena é a força da natureza em pessoa e gosta de contar histórias de pés descalços na beira da lagoa, no seu terreiro ou no Museu Jenipapo-Kanindé que fica ao lado de sua casa.

Seu Aldenir Costa é um senhor que vive da roça e do reisado no Sítio Bela Vista, Crato, Ceará. Devoto de Nossa Senhora das Dores e de Padre Cícero, desde rapazote começou a brincar nas Festas de Reis do Cariri. Foi ganhando fama e faz tempo – muito tempo – que é Mestre da Cultura em Reisado. Foi certificado pela Secult-CE em 2004 como Mestre da Cultura na primeira leva dos 12 reconhecidos e beneficiados com o auxílio-financeiro vitalício garantido pela Lei dos Mestres da Cultura (Lei 13.351/2003) e Tesouros Vivos do Ceará (Lei 13.842/2006). Também recebeu das mãos do Reitor da UECE, o canudo com o título de Notório Saber em Cultura Popular. Mestre Aldenir vive para fazer reisado e faz reisado para viver. É um dos mestres mais querido e respeitado pelos seus companheiros. Conhecedor de todos os elementos do Reisado, ele é mestre por arte e ofício. Certa vez lhe perguntei o que é ser mestre da cultura e ele respondeu: “Para ser mestre da cultura é preciso de três coisas: primeiro tem que ter respeito e ser respeitado pela comunidade, segundo tem que ser verdadeiro com aquilo que faz e terceiro é preciso ter amor, muito amor”. Anos depois me confidenciou que mesmo tendo respeito e sendo verdadeiro, mas se não tiver amor, ele a pessoa não é um mestre. Pois bem, Mestre Aldenir é puro amor e é com esse sentimento que ele mantém no quintal de sua casa a Escola de Reisado mais afamada do Cariri que atende crianças – muitas crianças – e jovens da Bela Vista para aprender e brincar de reisado. Nas apresentações de seu grupo de reisado é bonito ver o encontro intergeracional entre seus componentes, ativando um saber comunitário muito interior. Aliás, Mestre Aldenir que sempre está compondo alguma peça, gosta de dizer que “cultura é aquilo que sai de dentro da alma da gente”.

Gosto de pensar a cultura como um saber/fazer comum, portanto comunitário. A cultura como solidariedade. É coisa que sai da alma da gente. É justo esse sentido que os mestres da cultura popular e tradicional nos ensinam. Toda cada casa de um mestre da cultura é uma escola e museu ao mesmo tempo. Mas não um museu qualquer, trata-se de um museu orgânico e de uma escola orgânica processados pela natureza dos tempos. Portanto, trata-se de um espaço cultural vivo. A casa, o terreiro, a aldeia, o quintal, a oficina, o atelier de todos os mestres da cultura e dos grupos de tradição esparramados pelo Brasil são espaços culturais.

Porque estou afirmando isso? Porque em meio ao processo de regulamentação federal da Lei Aldir Blanc, surgiu uma dúvida conceitual e jurídica se um espaço cultural mantido por uma pessoa física se enquadraria no benefício garantido pelo inciso II do Art. 2º da lei que prevê subsídios para manutenção de espaços artísticos e culturais que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social no contexto do Covid-19.

Mestra Zulene tem um museu em sua casa. Mestra Cacique Pequena tem um museu em seu terreiro. Mestre Aldenir tem uma escola de reisado em seu quintal. Mas esses mestres são pessoas físicas, não possuem CNPJ e tampouco uma microempresa cultural. Seus espaços culturais são orgânicos e abertos como ambientes de criação, fruição, formação e de vivências coletivas e comunitárias.  Noutras palavras, possuem o direito e se encaixam de maneira precisa e preciosa no Artigo 8º da lei que compreende como espaços culturais aqueles também mantidos por pessoas, seja física ou jurídica.

Um dos componentes mais louváveis da construção social e coletiva da Lei Aldir Blanc foi a dimensão de abrangência de visão de cultura e, portanto, da percepção do que se compreende por espaços culturais. Analisando as primeiras minutas dos PL’s e mesmo de um esboço do substitutivo, podemos verificar que o artigo dedicado a essa compreensão foi o que mais ganhou abrangência. De forma democrática e com uma visão “generosa” (para utilizar um termo de Célio Turino) e com a capacidade tecelã de redação da deputada Jandira Feghali a partir do PL 1075 da deputada Benedita da Silva – fomos abraçando e incorporando nessa compreensão um rol de espaços e de ambientes culturais, sejam eles mantidos por organizações da sociedade civil a exemplo de Pontos de Cultura, Escolas de Artes, Espaços Cênicos e Centros Culturais de instituições sem fins econômicos com CNPJ, mas também espaços culturais mantidos por pessoas físicas.

Como poderíamos deixar de fora desses subsídios as bibliotecas e museus comunitários? Como poderíamos excluir desse contexto os centros culturais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos? Como não contemplar os espaços de povos e comunidades tradicionais? Como suprimir desse benefício os terreiros dos mestres e mestras da cultura? Como eliminar os ambientes de espaços dos grupos dos festejos dos ciclos carnavalesco e junino? Como descartar as companhias de teatros e de artistas que fazem das ruas e praças seus espaços culturais? Como retirar desse subsídio os Circos com sua natureza de itinerância? Como não integrar a esse direito os coletivos de jovens que expandem com suas vidas os saraus literários e artísticos nas periferias do Brasil?

Estes e outros espaços mantidos por pessoas que dedicam suas vidas para manterem abertas suas portas para comunidade e para o público em geral, são espaços culturais autênticos, orgânicos e vivos nos mais diversos rincões do Brasil de dentro, nas grandes e pequenas cidades, nas periferias das metrópoles, nos territórios rurais e dos povos das florestas. São ambientes com base de cultura comunitária que promovem o direito à cultura e às artes, independente ou apesar do estado. Sendo assim, são promotores de políticas públicas de cultura em suas bases. Certamente, foram os espaços mais afetados nesse contexto de pandemia do Covid-19 e do isolamento social. Portanto, mais do que a necessidade e do merecimento, trata-se de um direito garantido para acessar os subsídios previstos na Lei Aldir Blanc, mas também no inciso III (editais, chamadas, prêmios) por meio do fomento e do apoio aos projetos artísticos e culturais garantidos por esta lei tão abrangente.

Salientando que estão vedadas a concessão para espaços culturais vinculados ao poder público, mantidos por grupos de empresas ou geridos pelo Sistema S, o Artigo 8º traduz essa abrangência enumerando um leque de compreensões de espaço cultural que vale citar:

“Art. 8º Compreende-se como espaços culturais todos aqueles organizados e mantidos por pessoas, organizações da sociedade civil, empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas com finalidade cultural e instituições culturais, com ou sem fins lucrativos que sejam dedicados a realizar atividades artísticas e culturais, tais como:

I – Pontos e Pontões de Cultura;

II – Teatros Independentes;

III – Escolas de Música, de Capoeira e de Artes, e Estúdios, Companhias e Escolas de Dança;

IV – Circos;

V – Cineclubes;

VI – Centros Culturais, Casas de Cultura e Centros de Tradição Regionais;

VII – Museus Comunitários, Centros de Memória e Patrimônio;

VIII – Bibliotecas Comunitárias;

IX – Espaços culturais em Comunidades Indígenas;

X – Centros Artísticos e Culturais Afrodescendentes;

XI – Comunidades Quilombolas;

XII – Espaços de Povos e Comunidades Tradicionais;

XIII – Festas populares, inclusive o Carnaval e o São João, e outras de caráter regional;

XIV – Teatro de Rua e demais expressões artísticas e culturais realizadas em espaços públicos;

XV – Livrarias, editoras e sebos;

XVI – Empresas de diversões e produção de espetáculos;

XVII – Estúdios de Fotografia;

XVIII – Produtoras de cinema e audiovisual;

XIX – Ateliês de pintura, moda, design e artesanato;

XX – Galerias de Arte e de Fotografias;

XXI – Feiras de arte e artesanato;

XXII – Espaços de apresentação musical;

XXIII – Espaços de literatura, poesia e literatura de cordel;

XXIV – Espaços e Centros de cultura alimentar de base comunitária, agroecológica e de culturas originárias, tradicionais e populares;

 XXV – outros espaços e atividades artísticos e culturais validados nos Cadastros aos quais se refere o art. 7º desta Lei”.

Cultura Viva

Não é à toa que os Pontos e Pontões de Cultura estão na cabeceira deste artigo. Não podemos esquecer que uma das premissas para o pensamento, formulação e mobilização social em torno da Lei Aldir Blanc foi a cultura de base comunitária expressa nos Pontos de Cultura. A Lei 13.018/2014 que institui a Política Nacional de Cultura Viva é balizar para a Lei 14.017/2020 que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural (Lei Aldir Blanc). São leis irmanadas, suas histórias se cruzam em diálogos, complementariedades e transposições. É tanta a aderência que lendo o Artigo 3º da Lei Cultura Viva, deparamo-nos com a seguinte redação: “A Política Nacional de Cultura Viva tem como beneficiária a sociedade e prioritariamente os povos, grupos, comunidades e populações em situação de vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios de produção, registro, fruição e difusão cultural, que requeiram maior reconhecimento de seus direitos humanos, sociais e culturais ou no caso em que estiver caracterizada ameaça a sua identidade cultural”.

Por oportuno, vale destacar que a Lei Cultura Viva é um forte instrumento jurídico e administrativo para execução da Lei Aldir Blanc pelos estados e municípios, no que toca  a garantia do pleno exercício dos direitos culturais, o protagonismo social, a gestão compartilhada, os princípios da participação social, o estímulo e potencialização de iniciativas culturais já existentes, dentre outros objetivos expressos na Lei Cultura Viva.

Nesse fluxo, parece-me instigante resgatar o sentido dos Pontos de Cultura, inspirado na ideia de do-in antropológico de Gilberto Gil, compreendendo a cultura como ponto vital de transformação social. Esta metáfora transpôs, atravessou a própria metáfora e se fez prática e ação de política pública de cultura. Não houve descoberta de pólvora nem invenção da roda. O fogo já estava lá, a roda já girava na cultura comunitária. No saber/fazer, no ser/estar, no perceber e se relacionar com o outro e com o mundo através das culturas e das artes feitas pelo povo e com o povo em pontas e pontos de transmutação de realidades. E assim o do-in antropológico se fez Ponto de Cultura. O Célio Turino conhece bem essa história porque ele é um dos narradores dessa história. O sentido do do-in antropológico do Gil fez o MinC perceber, reconhecer e potencializar as iniciativas da sociedade civil partindo da premissa da diversidade e da democracia em tudo aquilo que estas palavras têm de amplitude. O Brasil debaixo para cima traduzido por práticas culturais diversas. Portanto, não poderia fazer uma análise da compreensão de espaço cultural impressa na Lei Aldir Blanc e passar incólume por essa analogia e transposição entre essas duas leis tão vitais para as políticas culturais.

As instituições culturais e microempresas                

As instituições culturais com Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ estão devidamente garantidas na compreensão de espaços culturais estabelecida na Lei Aldir Blanc. Tais como os Pontos de Cultura, vários outros ambientes são contemplados nesse entendimento.

O Brasil é composto por muitas redes de teatros independentes mantidos por companhias, grupos ou coletivos de artes cênicas que encontram em políticas de fomento de caráter nacional, estadual ou municipal, meios de financiamentos para manter seus espaços e promover suas programações, embora, na maioria das vezes, é na garra e na determinação de seus responsáveis que conseguem manter as portas abertas, contando com recursos de bilheterias e com redes de apoio. Essa mesma realidade encontramos nas instituições de formação artística e cultural da sociedade civil, a exemplo de escolas de dança, música, teatro, artes visuais, audiovisual, capoeira, dentre outras linguagens. O mesmo podemos afirmar acerca de casas ou centros culturais vinculados as expressões populares ou vinculados aos povos tradicionais. Esses são alguns exemplos de instituições culturais sem fins lucrativos mantidos pela sociedade civil que são também ambientes vitais e orgânicos para manterem vivas a cena, o cenário e o circuito artístico e cultural no Brasil, seja para criação, fruição, difusão ou formação no exercício pleno do direito à cultura. Portanto, são espaços também promotores de políticas públicas de acesso aos bens e serviços culturais que foram drasticamente impactados com o contexto do Covid-19, obtendo assim, o direito de acessar os recursos programados para os espaços culturais, conforme preconiza a Lei Aldir Blanc.

Tais como essas instituições, pequenas e microempresas que realizam atividades culturais também fazem jus ao benefício e são compreendidas como espaços culturais. Esta é mais uma faceta da abrangência democrática da Lei Aldir Blanc: a incorporação do mercado cultural e da economia da cultura revelada em pequenas empresas que têm em sua razão social, a produção e o consumo de bens e serviços culturais, a exemplo de livrarias, editoras, sebos, produtoras de audiovisual e de espetáculos, galerias, feiras, estúdios fotográficos e musicais, dentre outros espaços congêneres. Mas vale salientar que são espaços classificados como micro e pequenas empresas de perfil cultural que poderão fazer os cadastros e ser validadas para receber o benefício como espaço cultural previsto na lei.

Considerações finais

Diante do exposto, não há dúvidas de que devemos manter com firmeza essa compreensão abrangente de espaço cultural garantida na Lei Aldir Blanc que tiveram suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social e promover os subsídios para os espaços que sejam mantidos por pessoas físicas, organizações e instituições culturais da sociedade civil com natureza de pessoa jurídica, além das micro e pequenas empresas que tenham em suas razões sociais o perfil cultural. Claro, que tudo isso executado com transparência e levando em conta os processos de cadastro e de validação.

Conforme a deputada Jandira Feghali – relatora e autora do substitutivo do PL 1075 – a lei define com clareza a compreensão de espaço cultural. Portanto, não caberia ao Governo Federal rever essa definição por meio de decreto. Puxando o novelo da citação do discurso de posse do Ministro Gilberto Gil que abre este artigo, “não cabe ao Estado fazer cultura, a não ser num sentido muito específico e inevitável. No sentido de que formular políticas públicas para a cultura é, também, produzir cultura. No sentido de que toda política cultural faz parte da cultura política de uma sociedade e de um povo, num determinado momento de sua existência. No sentido de que toda política cultural não pode deixar nunca de expressar aspectos essenciais da cultura desse mesmo povo. Mas, também, no sentido de que é preciso intervir. Não segundo a cartilha do velho modelo estatizante, mas para clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma espécie de do-in antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país”. Nesses termos, a Lei Aldir Blanc é soberana. Não cabe ao Governo Federal querer taxar o que é ou o que não é um espaço cultural. A Lei é muita vasta nesse sentido e conversa bem com esse conceito tão democrático impresso por Gilberto Gil.

Assim assado, vamos com a Lei Aldir Blanc clarear caminhos, abrir clareiras, estimular e abrigar os fazeres artístico e cultural que muitas pessoas – que ainda são capazes de cantar, dançar, contar histórias e de fazer chover como nos recorda Ailton Krenak – mantêm vivos e abertos em seus espaços culturais orgânicos nos mais diversos territórios e rincões do Brasil.

Vamos massagear os pontos vitais da sociedade brasileira com nosso do-in antropológico. Por isso que tenho dito tanto: esta não é só uma lei de emergência cultural com proteção social aos agentes e instituições culturais. Não é uma lei de distribuição de renda. Não podemos nos dar por satisfeitos apenas com a garantia dos recursos chegarem nas pontas e nas bases. Tal postura é um pensamento pequeno, imediatista. A Lei Aldir Blanc pode ser um pulso e um impulso para as políticas culturais e no exercício do direito à cultura como um direito vital.

Então, para terminar, compartilho um trecho de uma cantiga que Mestra Zulene Galdino sempre canta nas rodas que entra, principalmente na terreirada do Encontro Mestres do Mundo, realizado todos os anos pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará desde 2005:

“Vou contar uma história

Você tem que acreditar

É direito do povo, quero ver tudo de novo

Quero ver pancada igual

Nosso direito vem, nosso direito vem

Se não vem nosso direito

O Brasil perde também”.

A poesia e sabedoria de Mestra Zulene Galdino traduzem tudo: sem os direitos básicos para o povo, sem os direitos culturais quem perde é o Brasil. A Lei Aldir Blanc é uma vitória do povo brasileiro. Uma conquista dos trabalhadores e trabalhadoras das artes e das culturas; dos agentes e produtores culturais; dos ponteiros e dos Pontos de Cultura; dos artistas, mestres e griôs; dos gestores dos mais diversos espaços culturais mantidos por pessoas e instituições culturais que praticam e promovem o direito à cultura como um direito de cidadania. Sim, nosso direito vem porque se ele não vem, o Brasil perde também.

Por isso que, para além de emergencial, essa lei é estratégica para o futuro das políticas culturais do Brasil no fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura e, por conseguinte, dos sistemas estaduais e municipais em plena consonância com a participação e controle da sociedade civil. Nesse processo, os conselhos de cultura nos estados e municípios – juntos com outras instâncias participativas – serão vitais para o bom êxito, resultados e impactos da execução da Lei Aldir Blanc nos contextos socioculturais e econômicos de nosso país. Mas ela não se encerra em si, vislumbro uma bruma de anunciação que vem chegando com tudo que estamos aprendendo juntos nessa mobilização social e política que nos tem nos deixado em estado perene de conferência nacional de cultura.

Saudações artísticas e culturais!

* Fabiano dos Santos Piúba

Secretário da Cultura do Estado do Ceará.

Doutor em Educação pela UFC. Mestre em História pela PUC-SP. Historiador. Professor. Escritor. Gestor Cultural. Poeta do grupo Os internos do pátio.

Fonte: SECULT – CE

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