Um dos quitutes mais populares da culinária cuiabana é o bolinho de arroz. E as mãos de Dona Eulália, 84, – as mesmas que abençoam os oito filhos, 21 netos e 24 bisnetos – são as responsáveis pela miraculosa transformação da matéria, afinal toda cozinheira tem um quê de alquimista. E são essas mãos e outros signos sutis apreendidos pela câmera que compõem a exposição “Cuiabá de Eulália”, de Amaury Santos, fotógrafo e amigo da família.
A abertura acontece na próxima quinta-feira (04.04), às 19h, no Sesc Arsenal, e segue até o dia 30 de abril. Com curadoria de José Medeiros, a exposição conta com aproximadamente 20 fotografias documentais que revelam um olhar intimista sobre Dona Eulália, focando principalmente no sensível tato da cozinheira para com o mundo ao seu redor. E, neste caso, não dá para falar de tato sem remeter às mãos.
“A forma como ela transmite esse amor para as pessoas é muito através das mãos. É a mão que transforma o arroz no bolo-de-arroz, que transforma o queijo no bolo-de-queijo. É a mão que abençoa os filhos, abençoa os netos, que reza pelos clientes”, comenta Amaury.
Neste sentido, o fotógrafo consegue capturar muito mais do que movimentos e ações, mas também sentimentos e subjetividades de Dona Eulália. Ele explica que buscou retratá-la “no ambiente dela, na casa, a relação dela com a fé, com a família…”.
Amaury já havia feito uma exposição com o mesmo nome no ano passado, mas ressalta que não iguais, principalmente pela abordagem intimista desta última, que também abre mão de algumas imagens da capital em função de priorizar a perspectiva religiosa e familiar de Dona Eulália.
Este tipo de envolvimento com a personagem a ser fotografada só é possível caso haja uma relação de confiança e intimidade estabelecido entre eles. E neste caso, a relação é literalmente familiar. “Como não conheci minha avó, eu sinto um carinho de vó no cuidado que ela tem comigo”, revela Amaury.
Esta proximidade começou quando o fotógrafo passou a frequentar o espaço para tomar café da manhã. Nestas ocasiões, costumava ficar de papo com seo Eurico (marido de Dona Eulália, falecido em 2017) no fundo do quintal. Os laços com a família logo se estreitaram.
HISTÓRIA DA FAMÍLIA DE D. EULÁLIA
Amaury passou a admirar a visão de mundo de seo Eurico através das histórias que ele relatava, inclusive a saga da própria família, que abandonou a zona rural para tentar ganhar a vida e garantir a educação dos filhos na capital.
No começo foi tudo muito difícil. Eurico trabalhava como pedreiro e Eulália buscava alguma maneira de complementar a renda. Até que um dia relembrou das receitas típicas que uma tia havia lhe ensinado. Então ela pediu para o marido construir um forno para que pudesse fazer os bolinhos.
Eles foram se popularizando aos poucos. E foi ao fim da tradicional festa de São Benedito, já na madrugada, que Dona Eulália passou a vender os bolinhos e lá eles se popularizaram de vez. A ideia de comercializa-los ao fim da festa foi de Dona Bem Bem, outro ícone cuiabano.
Não por acaso, Eulália é devota de São Benedito e São José, aos quais se dirige para fazer pedidos e agradecimentos. “Reza todos os dias pra eles. Tudo ela coloca em oração”, revela Amaury.